Nesta sexta-feira (24), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no sul da Bahia. O principal objetivo é atuar na região das Terras Indígenas (TI) dos Povos Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, em especial nas atividades para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. A missão terá um prazo inicial de noventa dias.
A decisão foi formalizada pela Portaria MJSP nº 1.055, publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira (24), e define que a Força Nacional atuará em conjunto com os órgãos de segurança pública da Bahia, sob coordenação da Polícia Federal.
A autorização ocorre em um contexto de grave escalada de violência e ataques armados contra o povo Pataxó na região, e visa restabelecer a segurança e o respeito à ordem nas terras indígenas, em meio a um cenário de intensa disputa pela posse da terra.
Ataques e suspeita de milícias
A autorização federal chega em um momento crítico, com investigações em curso sobre ataques armados reiterados contra o povo Pataxó. A Polícia Federal e a Polícia Civil da Bahia abriram inquérito para apurar uma ofensiva violenta ocorrida no início de outubro na TI Comexatibá (Cahy-Pequi), no município de Prado.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) relatou que, no dia 1º de outubro, cerca de 40 homens fortemente armados invadiram a Aldeia Kaí e realizaram inúmeros disparos, deixando o cacique Xawã Pataxó e um outro indígena feridos. Em carta pública, líderes Pataxó relataram que a ação resultou em dois líderes feridos, com paredes do alojamento ficando repletas de marcas de bala, e que a ofensiva só foi interrompida com a chegada anterior da Força Nacional.
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Há ainda suspeitas da participação de policiais militares do estado nos ataques, além de empresários e indivíduos ligados a grupos ruralistas. Segundo a APIB, indivíduos armados foram transportados em um ônibus fretado com identificação de ônibus escolar e uniformizados com camisetas que simulavam símbolos de movimento social.
Ao serem interrogados após a intervenção da Força Nacional, eles afirmaram que o motorista recebeu R$ 1.000 e os demais receberam R$ 500 cada para participar, e apontaram o presidente da Associação do Agronegócio do Extremo Sul da Bahia (Agronex), Mateus Bonfim, como o responsável pela contratação do grupo. Embora Bonfim tenha negado as acusações, alegando ser uma “manifestação pacífica” e atribuindo o ataque aos indígenas, apenas os Pataxó foram feridos no confronto.
Segundo informações da CartaCapital, as investigações também miram empresários ligados ao setor imobiliário e do agronegócio com interesse nas terras. As fazendas em disputa estão ligadas ao empresário do cacau, Ernesto Ary Neugebauer, dono da Danke e sócio da Gencau. Neugebauer é proprietário da Fazenda Imbassuaba e Horto do Sol, e uma de suas empresas possui atividades de loteamento de imóveis. O pedido de reintegração de posse na área foi movido por Igor Guerra Ulhôa, sócio da construtora Horto Ltda, que teria adquirido a Fazenda Conjunto Pero Vaz. Ele é acusado pelos Pataxó de bloquear o acesso à praia com seguranças armados.
Indígenas sob proteção
A urgência da medida reflete a situação de vulnerabilidade dos defensores de direitos humanos na região. Segundo o Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas da Bahia (PPDDH-BA), a TI Comexatibá possui estudos antropológicos que reconhecem a ocupação indígena histórica.
Além disso, a violência na Bahia impacta diretamente a proteção dessas lideranças: de acordo com dados da Agência Gov, 54% das 145 pessoas protegidas pelo PPDDH na Bahia são indígenas, a maioria pertencente às etnias Pataxó, Tupinambá, Pataxó Hã-Hã-Hãe e Truka Tupan. O total de protegidos pelo programa no país chega a 446 indígenas de 103 etnias.
A crise fundiária e de segurança levou o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) a organizar missões às TIs Comexatibá e Barra Velha do Monte Pascoal em maio, com a participação de representantes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e do PPDDH, a fim de dialogar sobre a proteção e a mediação de conflitos.










